Ontem vim de barca. Araribóia. Levaram da carteira o santinho franciscano, o cent que roubei do câmbio e cinco mil reais. "Hamurabi", mas faltava dente... O motor da barca para. Não há banda. Troncos se erguem como suricatos curiosos: o sinal "Meeeee" espera... Agora sim, o chão dança com meu estômago. A caixa dos pãezinhos de vômito sorri preta, preta, pretinha. Tudo certo, podemos avançar. Seguimos de boiada o comando... alguns enquanto andam parecem que cagam, e cagam cinza, feio como as vacas que ruminam abanando as moscas com o rabo. As vacas ruminam e o que sobra é o que sobe: o cheiro da matéria ruminada. Da Praça XV, a baía com seus paus de concreto, eu, você e a merda coletiva. Para os peixes da Guanabara, tudo é normal, o roubo, o estupro e a bofetada. E iguais, o peixe na privada e o peixe no prato... Mordo o grafite cabelo-de-letras "todos iguais", enquanto na mesa gelada da churrascaria, uma família inteira fala e come num desespero de boca aberta, a boca cheia da vida alheia. Anda, anda... Capuccino e vitrine kitsch no quintal do imperador mais gordo! fumaça... o Paço Imperial, depois Gato Espetos... Fórum de Justiça. Abre-te sésamo: na Lapa, um mendigo baba cachaça e joga cascas de laranja no telhado do Antônio. Algumas caem de volta, outras batem na parede e acertam alguns hippies na calçada. Chuvisca... Sobe um cheiro verde quando a dona da rua passa. Antônio me entrega uma lata e um giz.. Passa, passa, o jeans e a jaqueta, a fumaça e a franja esticada. Risco a parede num resto de fumaça em direção aos Arcos, o jazz, o samba, o rock já desbotado. Tem samba na Lavradio, o sinal vermelho. Atrás do poste os meninos colam os pulmões. Vagabundas. Vagabundos. Sou eu. A polícia. Os guidons dos meninos maiores, asas de avião. No maço caído entre as pedras, bolas de um falso haxixe. No oco podre da árvore, a farinha Selarón. O escocês na encruzilhada acaricia a barba em uma trança vermelha que vai até a barriga. Os papéis, as crianças e a guarda. "O que damos aos olhos é por tesão!" Vixe, faltou o arrego... "São os ossos, fodemos com os olhos!" Suspende, anda, atravessa a montanha de volta. O tablado, coitado, apanhando no charleston da lapônia. "Palhaço não, clown!" o pateta chileno faz de foguetes dois diabolos! De novo a polícia, vem, vai, volta... Duas flores embrulhadas em moletom de escola, lindas, e os malandros. Coitados porquê? Meu estômago dói. Preciso comer.... tosse! mais alguém? as ideias. Papai... tritura, amassa, rumina... duro é ter que engolir as ideias. Na Gomes Freire, as gostosas ajeitam suas calcinhas. O samba. O moicano sarará. Fumaça. Gatos Espetos. A chave de casa.
(Aline Pereira)