segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O renascentista

Há milênios acreditei
estar imóvel nessa bola,
com o sol e as estrelas
girando em torno dela.
Mas agora tudo se move,
eu, a bola, o sol, as estrelas.
Agora os barcos navegam do verde ao azul
e, do alto, vêem a água girar
pernas e mãos em conjunto.
Vêem que o céu está vazio,
que na Terra há muito lugar.
Então, onde a fé teve assento,
repousou a dúvida.
O universo sem ponto central
e a bola rolando comigo,
na órbita dos meus olhos.
E daquela mahã dos inícios
não houve quando não visse mais.

(Aline Pereira)


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O relógio mecânico

Depois que os sinos convocaram às orações,
antes do olho humano o desvario,
novo intérprete do tempo
com as horas iguais aumentava
dos homens o poderio,
regulando sua exitência privada
num único e mesmo ritmo.
O toque infalível da torre
pouco a pouco deixava a lida
do artífice e do negociante preciso,
que hoje serve, conta, raciona a vida,
e a imensurável eternidade
deixou assim de ser a medida.

(Aline Pereira)


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O neto de São Luis

Faço canonizar o rei,
se os séculos são gêmeos,
que o poder é tanto amargo
como a porção de fel de uma coisa grande.
Por toda parte gritam,
por toda parte se queixam,
e os que reclamam não sabem,
ao implorar a justiça do rei,
que ela atinge somente
os que não o seguem.


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Horas temporárias

Guardo o tempo na carteira,
por hábito e organização,
mesmo sabendo que um dia,
do nascer e do pôr-do-sol,
nenhum outro ritmo
alterava a minha vida.

(Aline Pereira)


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