terça-feira, 25 de maio de 2010

"O teatro, como a peste, é uma crise que se resolve com a morte ou com a cura. (Antonin Artoud)


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terça-feira, 4 de maio de 2010


A maneira é sem eira,
sem rima,
nem tento.
À beira um teatro,
um hospício,
dois remos.

E torto, sem lenço,
invento à vontade,
existo tão tarde...
Acendo um incenso,
vagueio, desejo,
e viro e bocejo.

...

Piso tanto palco, falto
à mim mesmo num beijo.
Vivo como faço arte,
num volteio te vejo.

O pouco que fico
me sinto à vontade,
existo tão tarde...
Acendo um incenso,
vagueio, desejo,
suspiro e bocejo.

(Aline Pereira)


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VIII
Le gouffre

Pascal avait son gouffre, avec lui se mouvant.
- Hélas! tout est abîme, - action, désir, rêve,
Parole! et sur mon poil qui tout droit se relève
Mainte fois de la Peur je sens passer le vent.

En haut, en bas, partout, la profondeur, la grève,
Le silence, l'espace affreux et captivant...
Sur le fond de mes muits Dieu de son doigt savant
Dessine un cauchemar multiforme et sans trêve.

J'ai peur du sommeil comme on a peur d'un grand trou,
Tout plein de vague horreur, manant on ne sait ou;
Je ne vois qu'infini par toutes les fenêtres,

Et mon esprit, toujours du vertige hanté,
Jalouse du néant l'insensibilité.
- Ah! ne jamais sortir des Nombres et des Êtres!



O Abismo

Pascal via a seu lado o abismo que o atraía.
Ah, tudo é turbilhão: ação, sonho, desejo,
Palavra! E sobre mim arrepiando-me vejo
O pavor perpassar como uma ventania.

Em volta, no alto, embaixo, a profundeza, o enorme
Silêncio, a apavorante e infinita amplidão...
Em minhas noites, Deus, com sua sábia mão
Desenha um pesadelo infindo e multiforme.

Tenho medo do sono, o túnel que me esconde,
Cheio de vago horror, levando não sei aonde;
E só vejo, pelas janelas, o infinito.

A essa vertigem, tu, meu espírito aflito,
A insensibilidade do nada preferes:
Ah, não sair jamais dos Números e Seres!


(Charles Baudelaire)
Trad. Ivan Junqueira


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Nota

"As ideias são intuitivas, rápidas: qualquer ingênuo as capta.
Os pensamentos são lentos, reflexivos, doloridos. Só os viciados..."
(Dante Milano)


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O Muro

É um velho paredão, todo gretado,
Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Deixou num cacto em flor ensangüentado
E, num pouco de musgo em cada fenda.

Serve há muito de encerro a uma vivenda;
Protegê-la e guardá-la é seu cuidado;
Talvez consigo esta missão compreenda,
Sempre em seu posto, firme e alevantado.

Horas mortas, a lua o véu desata,
E em cheio brilha; a solidão estrela
Toda de um vago cintilar de prata;

E o velho muro, alta a parede nua,
Olha em redor, espreita a sombra, e vela,
Entre os beijos e lágrimas da lua.

(Alberto de Oliveira)


Pedro Marques sugere que o muro pode representar um patriarca que zela pela família. Segundo o estudioso, enquanto todos dormem ou cuidam de seus interesses, o velho (muro), com a experiência acumulada nas rugas (rachaduras), vigia a morada. (Aline Pereira)

Mundo Interior

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
Do sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, – a natureza externa, –
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E, contudo, se fecho os olhos e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, – e dorme.

(Machado de Assis)



O abismo na obra machadiana está relacionado ao mistério. É como se em cada indivíduo houvesse uma multiplicidade ainda maior do que a superfície terrena. Nesse aspecto, Machado se afasta do parnasianismo, pois este se fixa nas superfícies, nas formas. Contudo, o eu lírico machadiano não se aprofunda, retendo-se na observação. A ressonância decadentista vai além do sadismo, na influência do abismo baudelairiano, ligado à consciência da própria condição de exilado. Em termos cristãos, as duas principais criações divinas são confrontadas, a natureza e o homem. Portanto, o abismo machadiano como o de Baudelaire, reconhece o homem como um ser proscrito. O homem vive exilado pelo próprio Criador, estando dentro, mas fora da natureza ao mesmo tempo, percebendo-a como a feiticeira mais poderosa que a imaginação poderia conceber, ou seja, a natureza parece assustadoramente misteriosa. Ao tratar do abismo da alma, da grandeza trágica da existência humana, ele faz um percurso na contramão do cientificismo, localizando o homem na condição miserável de ser impotente. (Aline Pereira)

O super-heroísmo de Edward Cullen e a volúpia reprimida de Bella Swan


Crepúsculo (2005), o primeiro romance da série de ficção sobre vampiros
que consagrou Stephenie Meyer, desencadeando um verdadeiro surto adolescente, rompe com a tradição da literatura ocidental e subverte o mito literário de matriz byroniana num herói/vampiro. A escritora, formada em literatura inglesa, dá voz à Bella, que narra suas experiências a partir do contato com Edward Cullen, uma espécie de Dorian Gray às avessas, por suas reservas morais e seus dilemas éticos. Fora isso, como produto cultural de massa, o best seller da estadunidense não traz nada novo. A fantasia em Crepúsculo se mistura aos desejos da narradora, uma garota que aos dezesseis anos se vê totalmente envolvida pelo irresistível, mas sombrio, Edward. O jogo de sensualismo e mistério desenvolvido pela narrativa em primeira pessoa vai apresentando a descoberta do prazer erótico pela garota, porém Edward Cullen, o favorito da narradora, objeto de sua ânsia sexual, é impenetrável. Por desejar muito a jovem Bella, Edward entra em choque com os princípios norteadores de sua conduta, passando a representar uma ameaça a ambos, mas como ele ama a garota, deve protegê-la. Assim, temos a forte influência dos desejos eróticos, todavia sublimados, porque Edward, temendo ser traído pelos instintos, é incapaz de viver a experiência, para não fazer mal a Bella.
Tal conflito seria irrelevante para vampiros como Drácula, ou Lestat, exemplos de representações da aristocracia decadente, pois ao contrário de Edward, inclinado a tendências tipicamente burguesas de moralização, aqueles encarnam a perversidade, ou, quando muito, como no caso do vampiro Louis, em Entrevista com o vampiro (1976), de Anne Rice, o dilema ético sucumbe à natureza satânica. Crepúsculo se inclina à influência romântica, sobretudo de gênese inglesa, relacionando-se com a obra de autores como Wordsworth, que investiram no cotidiano (os personagens vão à escola, cozinham, mandam emails, banham-se, comem, escovam os dentes etc), na simplicidade do tema (o dilema ético-amoroso de um casal jovem e belo), na romantização do lugar comum (Bella é a princípio mais uma no mundo, mas com seus atos se mostra especial), na comunhão com a natureza (inicialmente, Bella não gosta da paisagem, porque está infeliz, porém, após Edward, tudo muda para melhor) e no maravilhamento com o trivial (os fantásticos Cullen preferem ser comuns). Por outro lado, Bella Swan nutre um fascínio tão intenso pelo proibido, que negligencia a própria segurança, de modo que a ligação do sexo com o mistério, com o pavor e com a morte aponta para uma temática preconizada na obra de Samuel Taylor Coleridge, tema caro ao poema narrativo vampiresco, Cristabel (1916). Sob influência do pré-romantismo alemão, o mito literário se apresenta analogamente ao observado em A noiva de Corinto (1797), de Goethe, inspirado no mito grego das lâmias, protovampiras que seduziam os homens para beijá-los e matá-los. Em Crepúsculo, entretanto, a razão ganha poder diante do desejo, porque existe um ideal amoroso, e o vampiro consegue controlar seus impulsos sexuais. As idealizações morais levam os Cullen a manter as presas fatais longe dos humanos.
Edward Cullen é um perfeito herói romântico inadaptado na sociedade, confiante numa quimera de bem cristão. Ele tenta ser plenamente bom e, para isso, trava uma luta interna, sacrifica-se e reduz-se a um patético desejoso, contra uma natureza representada pelo sexo e pela violência. O jovem centenário reúne em torno de sua figura características tão encantadoras que o tornam sobre-humano. Descrito num primeiro momento por Bella como “alto”, “magro, mas ainda assim musculoso”, o cabelo “louro cor de mel”, ele era “pálido como um giz”, os “olhos muito escuros” – que mudariam de cor –, com “olheiras – arroxeadas, em tons de hematoma”, como refém de uma “noite insone”, ou de um “nariz quebrado”, mas o nariz tinha todos os traços retos, perfeitos e angulosos, o rosto tão diferente, “completo, arrasadora e inumanamente” lindo (MEYER, 2005, p. 22). Toda sua constituição é sedutora, seus gestos, sua voz, o sorriso absurdamente belo, a rigidez anormal da musculatura, sua força física e velocidade, descomunais, seu hálito é tão perfumado que inebria, e sua riqueza, sofisticação e elegância, a inteligência e o conhecimento, tudo em Edward é perfeito: ele é de fato sobre-humano. Contudo, após conhecer a jovem filha do policial Swan, seus dons fazem-no sentir-se amaldiçoado, tornando o amor dos dois algo impossível.
O juízo é fundamental para Edward e sua família de vampiros, estruturada em torno da liderança do médico/patriarca, que os transformou para salvá-los da morte definitiva. A família Cullen finge, em vão, ser comum, e repudia o “sobrenatural” numa tentativa de negar seus instintos bestiais. Em vez de caçar humanos, eles se alimentam do sangue de ursos, em áreas onde a lei dos homens permite caçar, reprimindo sua natureza predatória, em nome do bem comum social. A questão se resume numa postura moral rigorosa de vampiros que simulam um estado de controle e normalidade. Edward é assim um perfeito herói romântico, que sofre porque não tem coração. Ao esconder os poderes físicos e psíquicos em prol da ética, ele abdica de sua plenitude existencial, devido à firmeza de seu caráter. Seguindo os critérios de julgo burguês, o sedutor “garoto mais bonito da escola” é capaz de controlar os instintos, modelando suas atitudes, tratando-se, portanto, de um vampiro que aprendeu a ser politicamente correto, o que descaracteriza aspectos caros à tradição ocidental do mito na literatura.
Em determinados aspectos, como não poderia deixar de ser, Crepúsculo herda uma série de referências à imagem do vampiro como sedutor fatal, disseminadas a princípio no conto de John William Polidori, O vampiro (1819), e no belo Fragmento de um relato (1820), de Lord Byron, retomadas inúmeras vezes na literatura, cristalizando-se no célebre Drácula (1897), de Bram Stoker. Edward reúne as características byronianas por ser “romântico, atraente, misterioso e trágico”, um verdadeiro herói com o “poder vampírico da persuasão e um magnetismo sensual (...) ocultando um segredo terrível”. Por mais que se esforcem pelo contrário, os Cullen não deixam de parecer “solitários e à margem da humanidade”, e Bella imagina se eles saíram das “páginas reluzentes de uma revista de moda, ou se foram pintados por um antigo mestre como a face de um anjo”. De fato, a garota percebe que Edward esconde um passado obscuro, o que só faz aumentar a sua curiosidade, e a curiosidade voluptuosa é o que deixa Bella em perigo, assim como acontece com as vítimas dos contos de Polidori e de Byron.
Contudo, ainda que goste de parecer fascinante, Edward não quer ser fatal. Ele sente-se uma aberração, enquanto Bella acredita ser inferior a ele em tudo. À luz do sol, a pele dos vampiros cintila, por causa disso, os Cullen escolhem a pequena e sossegada cidade de Forks, onde quase nunca faz sol. Para se adequarem, a família do Dr. Carlisle Cullen submete-se ao cotidiano, seus membros trabalham, estudam, ainda que não precisem – são muito ricos e imortais! –, eliminando a imagem de vampiros inclinados a crueldade e volúpia. No lugar dos castelos arruinados, a residência dos Cullen é um amplo espaço iluminado por paredes de vidro; em vez de masmorras, catacumbas e sótãos – espaços de clausura que remetem ao inconsciente –, o vampiro/herói leva a moça agarrada em suas costas para um passeio fantástico, um vôo numa velocidade indescritível. Por algum tempo, essas novas experiências acabam levando à sublimação do desejo íntimo dela, que é ser iniciada por Edward. Contudo, a frieza e a aura de mistério são marcas indeléveis dos Cullen, e mesmo após estreitar sua relação com Edward e sua família, Bella é incapaz de dissipar tal impressão. A moça sente atração por todos os integrantes da família Cullen, estimulada pelo fato de serem perigosos. Para a narradora-protagonista, isso torna o relacionamento com Edward uma aventura muito mais excitante e cada vez mais arriscada.
Nenhum rapaz da escola atrai Bella, mas além de Edward há outro que acaba despertando certo interesse na garota, sentimento evidentemente eclipsado pelo efeito avassalador da presença de Edward. O rapaz é Jacob, pertencente ao povo nativo da reserva florestal de Forks. Jacob conta a Bella que os Cullen são vampiros terríveis. O rapaz não se revela atrás do sorriso agradável, mas algo em sua presença sugere discretamente aspectos sobrenaturais de seu povo, aspectos estes que o folclore camufla bem. A garota, que está descobrindo a própria sensualidade, usa da sedução para tirar informações de Jacob, despertando na fera oculta o desejo erótico.
Numa linguagem próxima à dos blogs, o romance tem como foco narrativo o desejo de Bella, a sua ânsia de ser possuída, e a firmeza moral Edward. Ambos sofrem de tédio até o momento do primeiro encontro, na escola. A fome de Edward só pode ser saciada com sangue, e o contato sexual invariavelmente levaria à mordida, daí a ligação com o mito da Queda, citado na epígrafe da obra: “Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais” (Gênesis, 3:3). Curiosa, a frivolidade de Bella não é como a das “mocinhas” românticas típicas, visto que ela possui uma voz autocrítica rigorosa e um lado cético, que a leva a querer experimentar e arriscar-se, conscientemente. A presença de Edward anima a vida da garota, pois, antes de conhecê-lo, sua vontade era o céu azul e ensolarado de Phoenix – onde sua mãe morava –, diferente da cor cinza do céu de Forks e do verde sufocante de suas florestas. Até então, Bella parece muito ligada à infância e à presença da mãe. À medida que o vampiro, objeto de seu desejo, personifica o mistério do erotismo, Bella é atraída para o interior das florestas e passa a querer a umidade dos dias nublados da cidade onde vive agora com seu pai.
O elemento complicador, que traz ambos, Edward e Bella, de volta a realidade, é a presença de um vampiro rastreador que sentindo o cheiro delicioso da jovem, deseja intensamente beber o seu sangue. A fim de manter segura sua integridade, toda a família de vampiros se mobiliza na tentativa se salvar a vida garota. Por ser o rastreador um vampiro muito poderoso, o algoz de Bella acaba atraindo a moça, que num ato de heroísmo, embora estúpido, tenta dar a vida pra salvar sua mãe. Mas o herói/vampiro chega a tempo para salvá-la, agora um imenso desafio, pois ela está completamente ensangüentada. Para “limpar” Bella da contaminação pelo vampiro perverso que a caçara, deve ocorrer a primeira experiência de troca de fluidos entre o casal. A experiência acontece com um intuito purificador. Edward prova sua fidelidade, resistindo ao desejo crescente, e extrai da amada apenas o sangue “contaminado”.

“O rosto de Edward estava cansado. Vi seus olhos enquanto a dúvida de repente era substituída por uma determinação ardente. Seu queixo endureceu. Senti seus dedos frios e fortes em minha mão que queimava, colocando-a em posição. Depois sua cabeça se curvou e seus lábios frios pressionaram minha pele. (...) No início a dor foi pior. Eu gritei e me debati com as mãos frias que me seguravam. (...) Depois, lentamente, minha agitação se aquietou enquanto minha mão ficava cada vez mais entorpecida. O fogo cedia, concentrado em um ponto cada vez menor. (...) Senti minha consciência me escapar enquanto a dor abrandava. Eu tinha medo de cair na água negra de novo, medo de perdê-lo na escuridão.”

Após a recuperação de Bella, o casal não é capaz de interromper o romance. Por sentir necessidade de proteger Bella, Edward acaba personificando a figura paterna, relativamente ausente na vida da moça. Então, compreendemos que a maior dificuldade para continuar a relação descende dos desejos sexuais da garota e da própria insegurança diante do tempo, pois Edward nunca envelhece. É interessante o fato de Bella ser desejada na escola e fora dela, mas apenas duas pessoas realmente a atraem, Edward, um vampiro, e Jacob, um lobisomem, evidentemente inimigos, pois de acordo com a lenda assimilada na série de Meyer o sangue dos lobos agrada aos vampiros, e o lobo é justamente o totem do povo de Jacob. Algo marcante no livro é a capacidade da autora de transformar seres tradicionalmente amorais em virtuosos humanizados. A essência cruel dos vampiros é anulada em Crepúsculo, pela propositalmente ordinária família Cullen. O transtorno dos papéis familiares, típicos dos clássicos de vampiro, em que as fronteiras se tornam imprecisas, é quase totalmente anulado. Tudo nos Cullen soa burguês, há uma total ausência de vícios e nenhuma referência a tradições heráldicas, ainda que exista uma distinção clara entre os membros da família Cullen e os demais habitantes da cidade. Assim, Stephenie Meyer descaracteriza a lenda cristalizada pela literatura ocidental, e apresenta figuras deformadas pelo poder da moral burguesa, numa posição literária que se afasta das de Byron e Bram Stoker, autores basilares na disseminação do mito do vampiro na literatura ocidental. Sem dúvida, a autora é competente o bastante para despertar com seu texto emoções vazias, deixando o leitor com sede, curioso para saber o que acontecerá depois com esse namoro de um vampiro simplesmente avassalador, mas de uma beleza cansativa, com uma linda jovem inteligente, capaz de atos de heroísmo, mas imperfeita. O caso continua em Lua Nova (2008). Um dos segredos para o sucesso do livro é o heroísmo de Edward, porque ele é um vampiro, e vampiros encarnam o mal. Existe um paradoxo nisso, é óbvio que mexe com as emoções, e trata de uma questão erótica. Edward não seduz apenas porque é belo, mas também porque tem poderes, ocupa a posição de predador, tem domínio, respeito e controle. A resistência ao contato com Bella é mostra de um imenso autocontrole, o que torna o vampiro mais sensual, a partir da ânsia pelo toque entre ambos. Sob outro aspecto, ele acaba sendo cansativo, e Bella passa a se mostrar em alguns aspectos mais interessante. O problema de Edward é que ele desperta um desejo alucinado em Bella, que nunca se realiza, frustrando-a. Outra questão é que para compensar essa falta, ele mostra-se perfeito, tornando-se um super-herói, salvando-a em importantes ocasiões, uma espécie de protetor, um anjo.
O vampiro em Crepúsculo, portanto, deixa de ser uma besta, um demônio, para se tornar um ser espiritualmente elevado, embora agnóstico. O final do livro leva a esquecer do que Edward é de fato, porque ele se transforma em herói, ou melhor, em super-herói, resistindo ao gozo nocivo que o seu sexo pode causar, e Bella, uma adolescente curiosa, que precisa controlar o desejo pelo namorado, mesmo que seja um homem tão sedutor. Dessa maneira, a inquietação deriva da volúpia recalcada de Bella, e o vampiro que sobra no livro é mesmo o rastreador.

(Aline Pereira)


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