sábado, 19 de maio de 2012



Ontem vim de barca. Araribóia. Levaram da carteira o santinho franciscano, o cent que roubei do câmbio e cinco mil reais. "Hamurabi", mas faltava dente...  O motor da barca para. Não há banda. Troncos se erguem como suricatos curiosos: o sinal "Meeeee" espera... Agora sim, o chão dança com meu estômago. A caixa dos pãezinhos de vômito sorri preta, preta, pretinha. Tudo certo, podemos avançar. Seguimos de boiada o comando... alguns enquanto andam parecem que cagam, e cagam cinza, feio como as vacas que ruminam abanando as moscas com o rabo. As vacas ruminam e o que sobra é o que sobe: o cheiro da matéria ruminada. Da Praça XV, a baía com seus paus de concreto, eu, você e a merda coletiva. Para os peixes da Guanabara, tudo é normal, o roubo, o estupro e a bofetada. E iguais, o peixe na privada e o peixe no prato... Mordo o grafite cabelo-de-letras "todos iguais", enquanto na mesa gelada da churrascaria, uma família inteira fala e come num desespero de boca aberta, a boca cheia da vida alheia.  Anda, anda... Capuccino e vitrine kitsch no quintal do imperador mais gordo! fumaça... o Paço Imperial, depois Gato Espetos... Fórum de Justiça.  Abre-te sésamo: na Lapa, um mendigo baba cachaça e joga cascas de laranja no telhado do Antônio. Algumas caem de volta, outras batem na parede e acertam alguns hippies na calçada. Chuvisca... Sobe um cheiro verde quando a dona da rua passa. Antônio me entrega uma lata e um giz.. Passa, passa, o jeans e a jaqueta, a fumaça e a franja esticada. Risco a parede num resto de fumaça em direção aos Arcos, o jazz, o samba, o rock já desbotado. Tem samba na Lavradio, o sinal vermelho. Atrás do poste os meninos colam os pulmões. Vagabundas. Vagabundos. Sou eu. A polícia. Os guidons dos meninos maiores, asas de avião. No maço caído entre as pedras, bolas de um falso haxixe. No oco podre da árvore, a farinha Selarón. O escocês na encruzilhada acaricia a barba em uma trança vermelha que vai até a barriga. Os papéis, as crianças e a guarda. "O que damos aos olhos é por tesão!" Vixe, faltou o arrego... "São os ossos, fodemos com os olhos!" Suspende, anda, atravessa a montanha de volta. O tablado, coitado, apanhando no charleston da lapônia. "Palhaço não, clown!" o pateta chileno faz de foguetes dois diabolos! De novo a polícia, vem, vai, volta... Duas flores embrulhadas em moletom de escola, lindas, e os malandros. Coitados porquê? Meu estômago dói. Preciso comer.... tosse! mais alguém? as ideias. Papai... tritura, amassa, rumina... duro é ter que engolir as ideias. Na Gomes Freire, as gostosas ajeitam suas calcinhas. O samba. O moicano sarará. Fumaça. Gatos Espetos. A chave de casa.               

(Aline Pereira)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

licores deitados
asa de óleo
vertigens
antenas
aquário vazio
miragens
delícias
leitor de cacau
cabeça de vidro
presa no vidro
lágrima torpe
absurda
habitante da lua
magra
fria
melado na testa
por dentro da testa
torvelinhos
devaneios...


(Aline Pereira)