sexta-feira, 26 de agosto de 2011


Todos aqueles que permanecem no circo irão receber o filme com vaias. Não há banda. Isto não é um teatro insólito. Silêncio, um pingo de luz no vazio do palco vai surgir na tela. Escolhi esse herói antes do primeiro ruído da plateia. Ele conhece modas, cirandas, esmeraldas e, por um tempo de sua vida, permanecera agarrado como uma minhoca, tendo por companheira cotidiana a enxada. Com os ataques do vento, o peixe cedia àquele que fez o mar. Cheio de pitangas no bolso, o herói aparece de pé, amarelo, como um anão mudo, testemunha de algo secreto, mas não sabe escrever, tendo aprendido a desenhar o que bem queria dar a entender. Sentia-se um animal doméstico desde que a mulher, sob forma de onça, condenara seu pai ao bote mortal. Do outro lado da porta, Clara surge levando quase a metade da tela consigo. Mantenha distância do rosto, ela é a espiã do coração do meu herói. Seu triunfo é mudar de papéis, um cliché de terno, gravata e muitas lentes. A campainha toca e, ao se levantar, a mulher deixa cair alguns livros. Ela abre a porta. No tapete, o card de Auto-retrato com a orelha enfaixada perdido no kitsch, sem que nada de decisivo aconteça. "Que você quer aqui com a tua natureza e as tuas galinhas?" O tempo já não caminha com pés de chumbo, e o rapaz sente o espírito levado a uma rendição prematura: "Todas as estradas estavam fechadas, então vim implorar do Cão a sua graça". Dizendo isso, ele invade o aposento e depara-se com outra mulher, que se chama Ismália e tem tanta arte quanto capricho. Seu caráter se manifesta por inteiro, entregue a imaginação, e tudo se retira à presença dela. Meu herói foi subjugado por não saber que é o caos o pai de tudo. Então ele se põe a recordar... Nas ruas, cornetas e gritos anunciam: "Rato, rato, rato, vivos ou mortos a 300 réis cada um". O grande sacrifício está consumado. Enquanto ela chafurda no espólio acumulado pelo bode, ele saboreia a sua fatia.

(Aline Pereira)

6 comentários:

Samora Potiguara disse...

Porofundo e linfático!! Corrreu idéias em minha mente.

www disse...

Clap clap clap!!!!!!

www disse...

OW!
Inacreditável....lembrei imediatamente de ALICE, ao ler teu texto...Logo abaixo, após ler e comentar vejo a mocinha, instantes antes de bebericar seu Red Bull...

Texto maravilhoso, sagitário...

Abraços piscianos..

um minuto disse...

Obrigada!! Alice e suas aventuras - influência poderosa...

Kafofo Karioca disse...

Tenho adorado seus textos, a dialética e agilidade no fechamento de frases curtas '...e tem tanta arte quanto capricho.'

Eri disse...

Está escrevendo cada vez melhor, Aline!!Não sei o porquê, mas concordo que o texto é bem sagitário...

Parabéns!