sexta-feira, 20 de agosto de 2010


Acabei de ler hoje de manhã As Aventuras de Pinóquio, uma novelinha que eu adorava quando criança, pois achava o máximo um boneco de madeira que podia falar e ir à escola, assim como gostava da Emília de Monteiro Lobato, uma tão infernal quanto o outro (e foi Lobato um tradutor de Pinóquio). De qualquer modo, algo diferente do que quando eu era criança me fez começar a ler o folhetim de Carlo Collodi, reconhecendo no florentino um baita dum sádico, não filosoficamente falando, mas perversamente mesmo. Pinóquio é um traste, metáfora para toda criança indomável, metáfora para a própria humanidade. O fantástico serve ao pedagógico e à imaginação do infante-juvenil. Pinóquio é burlesco, um fantoche patético desejoso e viciado, experimentando um irreconciliável conflito entre o que ele é e o ideal de ser um menino de carne e osso. Sustentado pelas figuras alegóricas do grilo e da fada, o espiritualismo romântico dá o tom da história, cujo dilema consiste no que parece bom, de um lado, e no que se revela bom, de outro. Como toda fábula, a verve é moral, pedagógica, trata do bem e da verdade. Por fazer parte do Romantismo, a narrativa se estrutura sobre um ideal de homem sem vícios. Assim, o tema de Pinóquio é a humanização, com base num humano ideal, muito distante da realidade apresentada pela narrativa. O homem, no romance, se parece mais com um boneco de madeira, pois carrega a mentira, a preguiça, a soberba, o egoísmo, a estupidez. Enquanto que a verdade é algo totalmente idealizado, o boneco pode se transformar no perfeito, ou seja, no homem ideal. Dentre todos os conflitos que apontam para o deslocamento do eu romântico da sociedade, isto é, o desajuste desse eu perante a sua realidade social, temos o embate rousseaunista entre a cidade e o campo, a primeira, ambiente da civilização, onde está a escola, de onde Pinóquio não pode sair se deseja se tornar um menino de verdade. O segundo, lugar da Fada, mãe do boneco, a Natureza, que surge num estado de pureza e frescor, ora como a linda Criança dos cabelos azuis, ora como uma jovem de cabelos azuis, ora como uma cabra de pelos azuis. A sociedade é o lugar onde Pinóquio é corrompido, devido ao contato com os maus companheiros. Contudo, o boneco sempre acaba sofrendo as consequências de seus atos de desobediência. Essa dor é fundamental no processo de crescimento espiritual de Pinóquio, para que ele se torne de carne e osso. É necessário, mesmo assim, que o boneco abdique de si próprio em prol de um sentimento sublime, que é o amor por seu pai, o velho Gepeto, para que só então ele se torne um menino. Pinóquio deve ser um herói para virar humano, que não apenas aprende que deve obedecer, estudar e trabalhar bastante, mas que precisa dar a sua vida por amor. Esse gesto heroico e pra lá de romântico é o que torna possível o sonho do boneco. Ao se descobrir menino, ele exclama: "Como fui ridículo enquanto fui boneco! E como sou feliz agora que me tornei um menino bem-comportado!" Tudo assim, muito simples...


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