sexta-feira, 10 de junho de 2011

De como


Parei em frente à vitrine da tabacaria, observando pipes, bongs e narguillas. Por dentro, disputavam pelo que não me servia. A burrice, a covardia, o medo, não queria arrastá-los mais. Uma hora tudo acaba por exaustão. Lembrei-me da lagarta silenciosa e dos mushrooms que trouxemos secretamente na bolsa. Nem ela, nem eu, sabíamos quem era, só que me transformara várias vezes. Parecia-me com as outras, mas o meu rosto ardia de tanto ser maquiado. Vi o reflexo da mulher de cabelos curtos, azuis, talvez roxos, com fones de ouvido. Era um cogumelo cheio de mordidas. E atraía, do espelho da loja, a technicolor de casaquete verde e relógio laranja. Era eu? Senti-me velha como o Pai Joaquim. Temi que meu juízo se estragasse, mas não tinha nenhum. Disse a mim mesma: "Reciclo-me ou me devoram". Do outro lado do vidro, olhei para o King Kong com uma coroa de ouro, que estampava a camiseta hemp. A lagarta foi a primeira a falar: "Ele iria gostar". Eu respondi que não importava, pois não era questão de tamanho, mas logo quis ser maior, numa vontade bruta de crescer. Talvez eu mesma tenha aumentado uma vez que o susto nasceu dessa  mudança, e eu já nem via a larva que um dia também havia sido. Com os braços esticados, era toda absurdos; e tentava capturar as ideias e os borrachos hediondos. Foi nessa hora que ele chegou, interrompendo. "Deixe-me em paz!" - pensei. Sorri, abracei, traguei ele de uma vez por todas, como várias vezes. Queria tê-lo sempre assim em minhas mãos, como o borracho esmagado. Ele era uma ideia, a miragem de uma tarde vazia, o que eu não faria por uma vida de contemplação, sendo idólatra que sou. Nessas horas aparecia enrolada em meu pescoço uma serpente branca. Ele me conduzia para um local onde podíamos ver o mar. A serpente chorava e deitava-se aos meus pés, comigo era uma coisa só... Com ele, dormi na pedra um sono de minutos, até engasgar sufocada com o soluço de vida numa explosão. Tossia, tossi enquanto tinha a ilusão desfeita como a fumaça no vento do mar.. O largo se encolhia tão rápido quanto engordavam as pastas e as traças. Tossia, tossi o teatro inteiro lotado. Foi como perdi o amor. Morte justa. Não como os apaixonados. Ele também não queria mais. O fingimento era o nosso resíduo de ânimo, uma mistura de chamusco e sangue. Quando a tosse acabou, ele me deu um beijo na testa, beijo de feições defuntas. Passou um carro na rua buzinando. Eu ia com a minha havaiana, pedaços de coxa, ponta de unha, pingo de lágrima e calor. Não doía, mas se soubesse, teria inventado uma fantasia mais leve. Subi as escadas e fechei a porta. Eu não falei? Pois para mim foi uma honra conhecer um alienígena. Reguei a menina e dela tirei uma flor. "Eu tenho que amar alguém e alguém vai me amar." Com a precipitação das pétalas, eu era um soldado cada vez mais perto da véspera da guerra. O tinir dos pratos na sala atravessavam o meu corpo imóvel. A lagarta, pobre coitada, balançava a cauda atraindo os peixinhos do aquário. Foi assim que meus olhos afogados no mar que não era de leite, só era branco, não viram mais nada além do branco. À impressão de que do nascer e do pôr-do-sol nenhum outro ritmo alterava a minha vida, permaneci imóvel na bola, com o sol e as estrelas girando em torno dela. Até que de manhã eu senti a bola rolando comigo, na órbita dos meus olhos. Tudo se movia de repente, até mesmo o tempo e senti que fazia, eu mulher, o tempo. E como imaginava um dia, eu que nunca tive medo de serpentes, superei alguns receios. O ponteiro, senhor intrépido, ensinou-me a lançar dardos e a guiar carros. Pensando no domesticado e no rebelde, esqueci o tempo em sua borracha. Guardei-o na carteira, sentindo-o dentro, e por imaginar que o dominava, exorcizei-o, como se cuspisse um chiclete.

2 comentários:

Eri disse...

Mt bom, alineouuu

Victor S. Gomez disse...

Bela narrativa. Gostei muito. Abraços