terça-feira, 4 de maio de 2010


Mundo Interior

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
Do sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, – a natureza externa, –
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E, contudo, se fecho os olhos e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, – e dorme.

(Machado de Assis)



O abismo na obra machadiana está relacionado ao mistério. É como se em cada indivíduo houvesse uma multiplicidade ainda maior do que a superfície terrena. Nesse aspecto, Machado se afasta do parnasianismo, pois este se fixa nas superfícies, nas formas. Contudo, o eu lírico machadiano não se aprofunda, retendo-se na observação. A ressonância decadentista vai além do sadismo, na influência do abismo baudelairiano, ligado à consciência da própria condição de exilado. Em termos cristãos, as duas principais criações divinas são confrontadas, a natureza e o homem. Portanto, o abismo machadiano como o de Baudelaire, reconhece o homem como um ser proscrito. O homem vive exilado pelo próprio Criador, estando dentro, mas fora da natureza ao mesmo tempo, percebendo-a como a feiticeira mais poderosa que a imaginação poderia conceber, ou seja, a natureza parece assustadoramente misteriosa. Ao tratar do abismo da alma, da grandeza trágica da existência humana, ele faz um percurso na contramão do cientificismo, localizando o homem na condição miserável de ser impotente. (Aline Pereira)

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